O aumento do número de casos de gripe é um fenômeno que se repete ano após ano durante o outono e o inverno de cada hemisfério, mas, em 2021, especialistas foram surpreendidos por uma epidemia que começou no Rio de Janeiro em plena primavera e dá sinais de já ter chegado a outros estados na véspera do verão. Coordenador do grupo que monitora os dados de síndrome respiratória aguda grave (SRAG) e publica o Boletim InfoGripe na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Marcelo Gomes explica que as causas da epidemia são múltiplas e estão relacionadas à pandemia de covid-19.
Quando 2020 começou, lembra Gomes, os dados apontavam um ano com forte incidência do vírus Influenza no país, com aumento precoce de casos no Norte e no Sudeste já antes do início do outono. O início da pandemia de SARS-CoV-2 e a adoção do isolamento social e outras medidas preventivas, porém, atropelou esse processo, fazendo com que os casos de Influenza praticamente desaparecessem. “Esses outros vírus respiratórios são menos transmissíveis que o SARS-CoV-2, então, o impacto das medidas de prevenção neles é muito maior”, explica.
Como resultado, os surtos de gripe sazonais não ocorreram em 2020 e 2021. Se, por um lado, isso evitou que mais leitos fossem ocupados por pacientes com SRAG durante períodos críticos da pandemia de covid-19, por outro, a população ficou sem contato com o vírus da gripe e não desenvolveu defesa imunológica.
“A gente não teve a exposição natural, e isso nos deixa mais suscetíveis. Isso foi bom, porque teríamos tido, junto com a covid, as internações por Influenza, e isso teria sido muito pior do que já foi, mas tem esse saldo negativo”, destaca o pesquisador.
Segundo Gomes, quando as medidas de prevenção contra a covid-19 começaram a ser cada vez mais flexibilizadas ao longo deste semestre, essa população suscetível foi exposta a outros vírus respiratórios, o que resultou no aumento de casos de vírus sincicial respiratório em crianças e também na epidemia de Influenza no Rio de Janeiro.
Além de ser atípica, a epidemia é causada por uma cepa nova do vírus Influenza A Subtipo H3N2, chamada de cepa Darwin, por ter sido descoberta em uma cidade australiana que tem esse nome. A cepa Darwin ganhou força no último inverno do Hemisfério Norte, e o fato de os surtos no Brasil terem começado no Rio de Janeiro no segundo semestre de 2021 pode ter relação com fluxo de viajantes internacionais, considera Gomes.
“E, gerando uma epidemia no Rio de Janeiro, é questão de tempo ver o quadro que estamos vendo hoje, que é de início de surtos e detecção de casos nos outros estados, principalmente a partir das capitais”, acrescentou.https://f2906cc9580fc7bd23f3c60f49c8a4f1.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html
O monitoramento desse cenário, porém, foi prejudicado pelo ataque hacker ao sistema de dados do Ministério da Saúde, lamenta o pesquisador. Sem acesso aos dados que receberia nesta semana sobre a incidência de SRAG, nem às notificações de casos de Influenza, Marcelo Gomes diz que no momento só é possível garantir que há epidemia no Rio de Janeiro, mas autoridades locais já dão sinais de que São Paulo e outros estados podem viver cenário semelhante. De acordo com Gomes, o Boletim InfoGripe, que é semanal, não foi publicado nesta semana, mas os dados da edição anterior já mostravam que, no Rio, o Influenza já causa mais casos de SRAG que a covid-19.
Ele afirmou que era fundamental ter tais informações nesta semana para ter mais clareza deste cenário, mas os dados não foram recebidos dados por causa desses problemas. Gomes pede atenção para que uma epidemia nacional de Influenza não coincida com a disseminação da variante Ômicron do SARS-CoV-2 no país.
“A gente ainda não sabe muito bem qual vai ser o impacto dessa variante no Brasil. Tem que tomar um cuidado muito grande neste momento, para não criar um cenário favorável a uma epidemia simultânea, com aumento tanto da covid quanto de gripe. Aí, a gente pode ter uma pressão hospitalar muito grande, porque são dois vírus que têm histórico de causar internações.
Vacina da gripe
Outro ponto que pode ter contribuído para a epidemia atual, na avaliação de Marcelo Gomes, foi a baixa vacinação contra a gripe neste ano. O pesquisador reconhece que a vacina disponível neste momento perde eficácia contra a cepa Darwin, mas acredita que ela poderia ter deixado a população menos suscetível à transmissão.
Para a diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Flávia Bravo, o grande número de casos de gripe também está relacionado à cepa Darwin do H3N2, que não está entre as variantes do Influenza cobertas na vacina disponível nos postos de saúde e clínicas privadas.
A vacina contra a gripe inclui um grupo de cepas que pode ser atualizado até duas vezes por ano, com base no monitoramento feito ao redor do mundo sobre quais variantes estão predominando naquele momento. Como o vírus da gripe muda de forma acelerada, essa atualização precisa ser concluída a tempo de disponibilizar uma vacina adequada para proteger a população nos próximos outono e inverno de cada hemisfério, estações que historicamente concentram o maior número de casos de gripe por causa do clima mais frio.
Nesse sentido, é a Organização Mundial da Saúde (OMS) que reúne os dados sobre as cepas dominantes no mundo e recomenda aos laboratórios quais vacinas devem ser entregues ao Hemisfério Sul, a partir de março, e ao Hemisfério Norte, a partir de setembro, cobrindo outono e inverno de cada metade do planeta. No caso do Brasil, o Instituto Butantan entregou 80 milhões de doses ao Ministério da Saúde neste ano com base na recomendação dada pela OMS em setembro de 2020, quando a variante Darwin ainda não predominava, e a cepa Hong Kong era a principal preocupação no caso do H3N2.
A incidência da variante Darwin também não foi detectada a tempo de produzir as vacinas que estão sendo usadas no Hemisfério Norte neste momento, produzidas com base em recomendação divulgada no primeiro semestre deste ano. Já as próximas vacinas que serão entregues ao Hemisfério Sul, em 2022, devem trazer uma proteção específica contra essa cepa, seguindo recomendação da OMS divulgada no mês de setembro.
“A epidemia está completamente fora de época. Está adiantada, por assim dizer. A OMS acertou em cheio, porque ela viu quem está predominando [para o ano que vem], só que, aqui no Rio de Janeiro, a epidemia adiantou”, explica Flávia Bravo.
Mesmo que a vacina disponível não tenha uma proteção específica contra a principal cepa causadora dessa epidemia, a médica reforça que é importante se vacinar contra as demais cepas, que não podem ser desprezadas. “Quem não está vacinado, sempre deve ser vacinado. A gente precisa de boas coberturas vacinais”, afirma a médica, acrescentando que todos deverão novamente tomar a vacina que será disponibilizada em 2022.
A produção das vacinas que serão usadas no ano que vem começou em setembro deste ano no Butantan, segundo nota divulgada pelo instituto. Flávia Bravo explica que adiantar o processo é muito difícil, porque a produção do imunizante depende do cultivo de bancos de vírus, já que a vacina da gripe contém o vírus Influenza inativado, ou seja, incapaz de se replicar e causar uma infecção. “Produzir vacina não é igual a produzir remédio. Você tem que cultivar o vírus, esperar ele crescer, ver se deu certo. Se não der certo, tem que começar de novo. Tem que inativar o vírus, pegar o que interessa e produzir em grande volume”, explica a médica, que prevê que o imunizante deve começar a ser entregue em março, como normalmente acontece.https://f2906cc9580fc7bd23f3c60f49c8a4f1.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html
Até lá, Flávia Bravo ressalta a importância de tomar a vacina contra as outras cepas do Influenza e continuar a adotar medidas de prevenção contra vírus respiratórios, como usar máscara, evitar aglomerações e ambientes fechados e higienizar as mãos com frequência. Outro ponto importante é não sair de casa com sintomas de gripe, que são semelhantes aos da covid-19. “A epidemia não se espalha sozinha. É a gente que transmite.”
fonte: Gazetaweb